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A idade e o aprendizado de línguas

Ricardo E. Schütz
Available since: June 2003
Last revision: December 2019

We are designed to walk ... That we are taught to walk is impossible. And pretty much the same is true of language. Nobody is taught language. In fact you can’t prevent the child from learning it.

Já na Babilônia e no antigo Egito o homem procurava entender a complexidade de suas habilidades cognitivas, e especialmente a capacidade de assimilar e usar línguas.

Hoje, o que se aceita de forma geral, com base no que as ciências da neurolinguística, da psicologia e da linguística oferecem, é uma série de hipóteses que procuram explicar esta habilidade exclusiva do ser humano. Essas hipóteses são resultado de estudos científicos que ajudam a explicar, não só o desempenho cognitivo do ser humano, mas também as diferenças entre crianças e adultos.

A idade crítica

Critical age chart

Não há dúvida de que existe uma idade crítica (como propõe Lennenberg), a partir da qual o aprendizado começa a ficar mais difícil e o teto começa a baixar. Este período parece situar-se entre os 12 e os 14 anos, podendo entretanto variar muito conforme a pessoa e, principalmente, conforme as características do ambiente linguístico em que o aprendizado ocorre. As limitações que começam a se manifestar a partir da puberdade, como mostra o gráfico ao lado, são mais evidentes na pronúncia.

O estudo dos diferentes fatores que afetam o desenvolvimento cognitivo do ser humano pode ajudar a explicar o fenômeno da idade crítica. Os principais fatores são:

Leia sobre o caso "Genie", demonstrando a hipótese da idade crítica para desenvolvimento da linguagem: https://www.sk.com.br/sk-genie.html

Fatores biológicos

Os órgãos diretamente envolvidos na habilidade linguística do ser humano são o cérebro, o aparelho auditivo e o aparelho articulatório (cordas vocais, cavidades bucal e nasal, língua, lábios, dentes). Destes, sem dúvida, o cérebro é o mais importante.

Além da capacidade auditiva superior, uma provável maior flexibilidade muscular do aparelho articulatório também ajudaria a explicar o fenômeno da marcante superioridade infantil no processo de assimilação de línguas.

Fatores cognitivos

Formação da matriz fonológica - O adulto monolíngue, por já possuir uma matriz fonológica sedimentada, se caracteriza por uma sensibilidade auditiva amortecida, treinada a perceber e produzir apenas os fonemas do sistema de sua língua materna. A criança, por sua vez, ainda no início de seu desenvolvimento cognitivo, com filtros menos desenvolvidos e hábitos menos enraizados, mantém a habilidade de expandir sua matriz fonológica, podendo adquirir um sistema enriquecido por fonemas de línguas estrangeiras com as quais vier a ter contato.

Assimilação natural x extudo formal - Uma diferença importante entre crianças e adultos quanto à suas habilidades cognitivas, é que o adulto já passou por grande parte de seu desenvolvimento cognitivo. Com um caminho maior já percorrido e uma bagagem maior acumulada, o adulto tem a capacidade de lidar com conceitos abstratos e hipotéticos, enquanto que a cognição das crianças, ainda em fase de construção, depende fundamentalmente de experiências concretas, de percepção direta. Isto explica a capacidade superior dos adultos de compreender a estrutura gramatical da língua estrangeira e de compará-la à de sua língua materna. Explica também a tolerância superior dos adultos quando submetidos a situações artificiais com o propósito de exercitarem línguas estrangeiras, bem como a tendência de buscar simples transferências no plano de vocabulário, com ajuda de dicionários.

Stephen Krashen, em sua hipótese learning/acquisition, estabelece uma distinção clara entre learning (estudo formal - receber e acumular informações e transformá-las em conhecimento por meio de esforço intelectual e de capacidade de raciocínio lógico) e acquisition (desenvolver habilidades funcionais através de assimilação natural, intuitiva, inconsciente, nas situações reais e concretas de ambientes de interação humana) e sustenta a predominância de acquisition sobre learning no desenvolvimento de proficiência em línguas.

Krashen defende a importância maior de acquisition sobre learning referindo-se a adolescentes e adultos. Considerando que acquisition está mais intimamente ligado aos processos cognitivos do ser humano na infância, é lógico deduzirmos que acquisition é ainda mais preponderante no caso do aprendizado de crianças.

Portanto, se proficiência linguística pouco depende de conhecimento armazenado, mas sim de habilidade assimilada na prática, construída através de experiências concretas, fica com mais clareza explicada a superioridade das crianças no aprendizado de línguas.

A hipótese da Harpaz

A hipótese de Harpaz é a mais esclarecedora. A aquisição da fala e a descoberta do mundo são processos paralelos para a criança. A interação linguística da qual a criança participa proporciona a maioria dos dados nesse processo de desenvolvimento cognitivo. Como consequência, as estruturas neurais no cérebro que correspondem aos conceitos que vão sendo aprendidos acabam naturalmente e intimamente associadas às estruturas neurais que correspondem às formas da língua.

Quando um adulto aprende uma língua estrangeira, seus conceitos (já formados) já possuem estruturas neurais fixas associadas às formas da língua materna. As estruturas neurais correspondentes às novas formas da língua estrangeira não possuem relação com as estruturas dos conceitos já formados, sendo esta uma associação mais difícil de ser estabelecida. É por isto que, no aprendizado de adultos, as dificuldades causadas pela interferência da língua materna são maiores.

A respeito do aprendizado de línguas na infância e da interferência da língua materna, Harpaz diz:

Humans are born with an ability to comprehend and generate all kinds of phonemes, but during childhood (starting from birth, and maybe before) this ability is shaped by experience such that only the phonemes of the native language are easily comprehended and generated. In adults, these abilities are much less plastic, so adult learners of a new language find it specially difficult to comprehend and generate the phonemes of the new language that are not used in their native language.

At the time of learning to speak, the child learns to understand the world, and linguistic interaction forms most of the data in this learning. As a result, the learned neural structures that correspond to concepts tend to be associated with the neural structures that correspond to the words (by Hebbian mechanisms).

When an older person learns a language, the concepts already have neural structures, which are quite fixed. The neural structures corresponding to the words in the new language, which are determined by the perceptual input, have no relations to the former structures, and hence the association is relatively difficult to learn.

In learning a new language, the learner is not only required to perform new sequences of mental and motoric operations, but is also required not to perform the old ones. The old sequences are very thoroughly learned through practice, so it is very difficult to avoid performing them. Thus older second language learners find it very difficult not to slip back into their old language, both in terms of motoric actions (pronunciation) and mental actions (syntax structures, phrases etc.). For a young child, this is much less of a problem, because his/her language performance is much less practiced.

Fatores afetivos e psicológicos

A hipótese conhecida como affective filter, também de Stephen Krashen, explica que fatores de ordem psicológico-afetiva podem causar um impacto direto na capacidade de aprendizado, tais como:

Ora, todos esses bloqueios são resultado da vida pregressa do indivíduo, podendo ocorrer portanto unicamente em adolescentes e principalmente adultos. Fica, pois, novamente evidenciado que as crianças, ainda livres de tais bloqueios, devem ter uma capacidade de assimilação superior à dos adultos.

O ambiente e o Input linguístico

Krashen, em sua comprehensible input hypothesis, sustenta que assimilação de línguas ocorre em situações reais, quando a pessoa está exposta a uma linguagem levemente acima de sua capacidade de entendimento, porém ainda inteligível. Ora, é natural que quando adultos se dirigem à crianças, usam um linguajar próprio, simplificado tanto no plano estrutural como no vocabulário, para se aproximar ao nível de compreensão da criança. Já nos ambientes em que adultos vivem, eles não recebem o mesmo tipo de tratamento. Uma vez que são adultos, seu universo de pensamento e linguagem é mais amplo; ou seja, o caminho já desbravado é maior e a linguagem, por eles almejada e a eles dirigida, tende a ser mais complexa e os conceitos mais abstratos, facilmente se situando além de seu nível de entendimento.

Desta forma, podemos concluir que um ambiente de língua e cultura estrangeira para crianças é, por natureza, mais simples, menos abstrato, mais próximo ao nível de compreensão da criança e mais propício à assimilação da língua do que os ambientes dos adultos.

A importância do contato com estrangeiros na infância

A importância dos ambientes sociais em que a criança se desenvolve e do contato com a cultura estrangeira está claramente explicada por George Yule:

Cultural transmission

While we may inherit physical features such as brown eyes and dark hair from our parents, we do not inherit their language. We acquire a language in a culture with other speakers and not from parental genes. An infant born to Korean parents in Korea, but adopted and brought up from birth by English speakers in the United States, will have physical characteristics inherited from his or her natural parents, but will inevitably speak English (and act like an American). A kitten, given comparable early experiences, will produce meow regardless.

This process whereby a language is passed on from one generation to the next is described as cultural transmission. It is clear that humans are born with some kind of predisposition to acquire language in a general sense. However, we are not born with the ability to produce utterances in a specific language such as English. We acquire our first language as children in a culture. (p.14, my parenthesis)

Minha interpretação:

Nossas características físicas, como a cor dos olhos e do cabelo, são herdadas de nossos pais. Entretanto não herdamos necessariamente a língua deles. Assimilamos a língua daqueles falantes com os quais convivemos, no ambiente cultural deles, e não dos gens paternos. Uma criança nascida de pais coreanos na Coréia, por exemplo, mas adotada e criada desde o nascimento por falantes de inglês nos Estados Unidos, terá características físicas herdadas de seus pais biológicos mas, inevitavelmente, falará inglês e se comportará como americana. Um gato, submetido a um processo semelhante ou não, produzirá o mesmo miado independentemente do ambiente em que for criado.

Este processo, através do qual uma língua é transmitida de geração em geração, é explicado como transmissão cultural. É evidente que o ser humano nasce com a predisposição de assimilar não uma determinada língua, mas qualquer língua. Nossa(s) língua(s) materna(s) será(ão) aquela(s) do(s) ambiente(s) cultural(is) em que vivermos na infância.

Takako Kanomata assim conclui:

Na infância construímos os alicerces do nosso ser, de forma inconsciente, através do convívio e das experiências do dia a dia. O contato e a construção de relacionamentos com pessoas estrangeiras na infância elimina o conceito de estrangeirismo de forma natural. A convivência multicultural na infância proporciona a construção de uma identidade própria, enriquecida por comportamentos e valores sociais diferentes, que eliminam fronteiras.

Conclusões

Bibliografia

Veja também

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Schütz, Ricardo E. "A Idade e o Aprendizado de Línguas." English Made in Brazil <https://www.sk.com.br/sk-apre2.html>. Acessado em (data do acesso).