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A importância da pronúncia

Ricardo E. Schütz
Atualizado em 15 de junho de 2017

Garranchos e letra de médico estão para o texto datilografado, assim como sotaque estrangeiro está para a pronúncia nativa.

Messy writing and doctor’s scribbles are a poor representation of written language in the same way that foreign accent is a poor performance of native speech.

Introdução

As comunidades humanas, desde suas mais remotas origens, sempre souberam se comunicar oralmente. A fala é talvez a mais importante das características que distinguem o ser humano no reino animal e que lhe possibilitam se organizar em sociedade. Nem todas as línguas entretanto chegaram a se desenvolver em sistemas escritos. Além disso, não há ser humano normal que não saiba falar sem limitações, porém só recentemente na história da humanidade é que a maioria começou a desenvolver a habilidade de escrever, muitos até hoje com limitações.

No community has ever been found to lack spoken language, but only a minority of languages have ever been written down. Likewise, the vast majority of human beings learn to speak, but it is only in recent years that some of these people have learned to write.

Língua é fundamentalmente um fenômeno oral. Nunca é demais salientar a importância da forma oral da língua. A forma escrita é mera decorrência da língua falada.

A language is a complete, complex, changing, arbitrary system of primarily oral symbols learned and used for communication within the cultural framework of a linguistic community.

Estudar pronúncia, portanto, é olhar para aquilo que não se enxerga mas que é a essência da língua.

...speech is therefore the basic form of language. This leads us to the conclusion that speech should be emphasized in second language teaching...

Domínio sobre a língua falada começa com o entendimento oral, e este começa com o reconhecimento das palavras contidas no fluxo de produção oral. Conseguir isolar cada conjunto de fonemas correspondentes a cada unidade semântica (palavra), dentro da sequência ininterrupta de sons no fluxo da produção oral, é um desafio considerável.

A grandeza deste desafio é melhor compreendida se considerarmos também que o aparelho articulatório de sons do ser humano (cordas vocais, cavidade bucal, língua, etc.) mostra-se extremamente limitado quando comparado ao universo de conhecimento e comunicação criado por sua mente. Para fazer par a este imenso universo linguístico e poder representá-lo oralmente, é necessário flexibilizar ao máximo o aparelho articulatório, criando diferenças ínfimas na articulação de sons, as quais adquirem grande importância e exigem nosso aparelho auditivo ao máximo.

Além disso, o uso que o ser humano faz de seu aparelho articulatório para comunicar-se varia consideravelmente de idioma para idioma, o que explica o porquê de ser na pronúncia que a interferência entre duas línguas se torna mais evidente e é mais crítica. A interferência fonológica da língua materna na língua estrangeira que se aprende, na maioria dos casos permanece para sempre, mesmo com pessoas que já adquiriram pleno domínio sobre o vocabulário e a gramática da língua estrangeira.

Aquele que fala uma única língua invariavelmente acredita que os sons de sua língua correspondem a um sistema básico universal de sons da fala do ser humano. Esta idéia preconcebida normalmente prevalece ao longo do aprendizado da língua estrangeira e, enquanto persistir, interfere negativamente na percepção e na produção oral do estudante. Em um artigo (veja bibliografia) sobre interferência fonológica, Flege escreveu:

Language learners who perceive sounds in the target language to be phonologically identical to native language sounds (despite possible phonetic differences between the two languages) may base whatever phonetic learning that does occur during the acquisition process on an acoustic model provided by pairs of similar sounds in two languages, rather than on a single language-specific acoustic model as in first-language acquisition. (443)

Estudantes de idiomas que acreditam ouvir na língua estrangeira sons quase idênticos aos da língua materna (apesar de talvez reconhecerem pequenas diferenças fonéticas entre as duas línguas) irão basear sua pronúncia ao longo do processo de aprendizado num modelo acústico resultante de pares de sons semelhantes das duas línguas, em vez de baseá-la no modelo acústico específico da língua estrangeira, assim como ocorre no aprendizado da língua materna. (443, minha tradução)

Em palavras simples, o que Flege quer dizer é o óbvio: que os ouvidos do aprendiz não irão reconhecer os sons da língua estrangeira como eles realmente são. Este é um forte argumento em favor de um estudo fonológico detalhado dos contrastes entre a língua materna e a língua que se busca aprender - condição imprescindível para um bom professor de inglês. Uma apresentação detalhada dos dois sistemas fonológicos ajudará o aluno a tomar consciência cedo de que os sons de um e outro idioma não são exatamente iguais, e que essas diferenças podem ser relevantes no significado, afetando o entendimento.

   German Coast Guard — a importância de uma boa pronúncia

Diferenças de pronúncia entre Português e Inglês

Diferentes línguas podem ser dois códigos de comunicação totalmente diferentes; ou, em alguns casos, até mesmo concepções diferentes de interação humana como resultado de profundas diferenças culturais. Este é, por exemplo, o caso do idioma japonês, quando comparado a qualquer uma das línguas europeias. É necessário ter uma mente japonesa, dizem, para se poder falar japonês corretamente - o que sem dúvida é verdade.

Felizmente as diferenças entre português e inglês não são tão profundas. Devido a origens comuns - a cultura grega, o Império Romano e seu idioma, a religião Cristã, etc. - todas as culturas europeias e suas línguas podem ser consideradas muito próximas no contexto amplo das línguas do mundo. Poderíamos, por exemplo, dizer que a língua espanhola é quase irmã gêmea do português; a língua italiana, sua meia-irmã; o francês, seu primo; e o inglês, talvez um primo de segundo grau.

Além das origens comuns que diminuem diferenças culturais, semelhanças linguísticas entre inglês e português ocorrem predominantemente apenas no plano de vocabulário, quando na forma escrita. Estruturação de frases e, especialmente pronúncia, apresentam profundos contrastes. Numa análise superficial das diferenças no plano da pronúncia, podemos relacionar as seguintes diferenças:

Correlação pronúncia x ortografia: A primeira grande dificuldade que logo salta aos olhos (e aos ouvidos) do aluno principiante, é a difícil interpretação oral das palavras escritas em inglês. No português, a interpretação oral de cada letra é relativamente clara e constante e, no espanhol, é quase perfeita esta correlação. No inglês, entretanto, não apenas é pouco clara e às vezes até muda, como altamente irregular. Ex: literature [lItrətshuwr], circuit [sərkət].

Veja Correlação Ortografia x Pronúncia.

Relação vogais x consoantes: O inglês faz um uso do sistema articulatório e exige um esforço muscular e uma movimentação de seus órgãos, especialmente da língua, significativamente diferentes, quando comparado à fonética do português. A articulação de muitos sons do inglês bem como de outras línguas de origem germânica, pode ser facilmente classificada como sendo de natureza difícil. Isto está provavelmente relacionado ao fato de que o inglês é rico na ocorrência de consoantes enquanto que o português é abundante na ocorrência de vogais e combinações de vogais (ditongos e tritongos). Ex: December is the twelfth month of the year. / Eu vou ao Uruguai e o Áureo ao Piauí. / Eu sou europeu.

Sinalização fonética: O inglês é uma língua mais econômica em sílabas do que o português. O número de palavras monossilábicas é muito superior quando comparado ao português. Ex:

beer cer-ve-ja
book li-vro
car car-ro
dream so-nho
head ca-be-ça
house ca-sa
milk lei-te
speak fa-lar
trip vi-a-gem
white bran-co
wife es-po-sa
write es-cre-ver

Além disso, a média geral de sílabas por palavra é inferior, pois mesmo palavras polissilábicas e de origem comum, quando comparadas entre os dois idiomas, mostram uma clara tendência a redução em inglês. Ex:

gram-mar gra-má-ti-ca
mo-dern mo-der-no
na-ture na-tu-re-za
te-le-phone te-le-fo-ne
com-pu-ter com-pu-ta-dor
prin-ter im-pres-so-ra
air-plane a-vi-ão
psy-cho-lo-gy psi-co-lo-gi-a

Em frases, este fenômeno tende a aumentar. Ex:

Sílabas Sílabas
2 Let's-work 5 Va-mos-tra-ba-lhar
4 I-like-be-er 7 Eu-gos-to-de-cer-ve-ja
4 How-old-are-you? 7 Quan-tos-a-nos-vo-cê-tem?
6 I-want-cof-fee-with-milk 8 Eu-que-ro-ca-fé-com-lei-te
6 Did-you-watch-that-mo-vie? 10 Vo-cê-as-sis-tiu-a-que-le-fil-me?

Estudos de fonoaudiologia demonstram que a baixa média de sílabas por palavra do inglês se traduz numa dificuldade maior de percepção por oferecer uma menor sinalização fonética bem como menos tempo para decodificar a informação. Isto se traduz também num grau de tolerância inferior para com desvios de pronúncia.

Veja Sinalização Fonética

Número de fonemas: Outra diferença fundamental é encontrada no número de fonemas vogais. Devido à economia no uso de sílabas, o inglês precisa de um número maior de sons vogais para diferenciar as inúmeras palavras monossilábicas. Enquanto que português apresenta um inventário de 7 vogais (não incluindo as variações nasais), no inglês norte-americano identifica-se facilmente a existência de 11 fonemas vogais. Logicamente a percepção e a produção de um número maior de vogais do que aquelas com que estamos acostumados em português, representará uma grande dificuldade.

Veja Vogais do Português e do Inglês.

Encontra-se também diferenças no plano dos sons consoantes. Além de rico na ocorrência de consoantes, o inglês possui um número maior de fonemas consoantes. Estudos fonológicos normalmente classificam 24 consoantes em inglês contra 19 no português. Além disso, consoantes em inglês podem ocorrer em posições que não ocorreriam em português.

Veja Consoantes do Português e do Inglês

Acentuação tônica: Acentuação tônica de palavras é outro aspecto que representa um contraste importante entre português e inglês. A forma predominante de acentuação tônica de uma língua influi significativamente na sua característica sonora. Enquanto que em português encontramos apenas 3 tipos de acentuação tônica - oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas, - sendo que a acentuação paroxítona é a predominante, em inglês encontramos pelo menos 5 tipos de acentuação tônica e nenhuma predominante.

Veja Acentuação Tônica de Palavras em Inglês e Português

Ritmo: O ritmo da fala também é uma característica importante da língua. Enquanto que o português é uma língua syllable-timed, onde cada sílaba é pronunciada com certa clareza, o inglês é stress-timed, resultando numa compactação de sílabas, produzindo contrações e exibindo um fenômeno de redução de vogais como consequência.

Veja mais sobre este tema em Ritmo e o Fenômeno da Redução de Vogais

Conclusões

Qualquer estudo de diferenças fonéticas entre inglês e português bem como o estudo da correlação entre a ortografia e a pronúncia do inglês, mesmo que superficiais, servem de evidência de que não há aprendizado de inglês se não houver intenso contato com a língua na sua forma oral.

A desconcertante falta de correlação entre ortografia e pronúncia, sendo uma das principais características do inglês bem como um grande obstáculo a seu aprendizado, constitui-se num forte argumento em favor de abordagens baseadas em assimilação natural pelo contato com falantes nativos, ao invés de estudo formal da língua, para se alcançar fluência.

Veja Language Acquisition x Language Learning.

Contato prematuro com textos em inglês pode causar internalização e fossilização de desvios de pronúncia, porque o estudante inadvertidamente irá aplicar uma interpretação fonética do que vê baseada nas regras de interpretação fonética da língua materna. Contato prematuro com textos em inglês, na ausência da língua na sua forma oral (pronunciada corretamente), constitui-se portanto num erro fundamental.

Pronúncia correta deve ser priorizada no início do aprendizado. Em paralelo a um bom modelo de pronúncia, é indispensável o uso de símbolos fonéticos para tornar a pronúncia visível. É inadmissível que materiais didáticos para iniciantes não abordem a forma oral da língua através de símbolos fonéticos.

Seria mais eficaz proporcionar ao jovem 3 ou 4 anos de contato com a língua falada, na escola de primeiro grau, do que os 7 ou 8 anos de contato com a língua escrita (predominantemente tradução e gramática) atualmente oferecidos no segundo grau.

Orientações para uma boa pronúncia

O momento ideal para o desenvolvimento de uma boa pronúncia de uma língua estrangeira é a infância e, no caso de adolescentes e adultos, é o início do aprendizado, quando o aluno forma a matriz fonológica da língua e quando desvios de pronúncia tendem a cristalizar-se. No aprendizado de uma língua como inglês, cuja correlação entre ortografia e pronúncia é extremamente irregular, é importante intensificar o contato com a língua falada logo no início do aprendizado, evitando o contato prematuro excessivo com a forma escrita.

Veja Correlação entre pronúncia e ortografia

Diferentes pessoas podem ter diferentes graus de acuidade auditiva, influenciando o grau de dificuldade em perceber a sutileza de certas diferenças relevantes, bem como o grau de precisão com que vão reproduzir os sons da língua estrangeira. Por esta razão, é recomendável que se faça uma avaliação audiométrica - um exame de audição feito por fonoaudiólogos que determina exatamente o quanto a pessoa ouve, da mesma forma que um exame de oculista avalia a visão.

Independentemente do grau de acuidade auditiva do aprendiz, a qualidade do input recebido pelo aluno é o fator mais importante. Por isso, é fundamental buscar-se um instrutor de excelente pronúncia. Se o instrutor não for falante nativo, deve ter no mínimo um ano e meio de experiência em país de língua inglesa ou um nível de proficiência equivalente a iBT 100+ (Internet-Based TOEFL).

Infelizmente, fica difícil para um aluno principiante distinguir uma boa pronúncia de uma pronúncia distorcida pela interferência da língua materna (sotaque estrangeiro). Isso torna o principiante uma presa fácil de cursos menos sérios. Por isso é sempre recomendável procurar conhecer o inglês de seu futuro instrutor na presença de um amigo que fale inglês muito bem, ou bem suficiente para reconhecer uma boa pronúncia. Lembre-se: não é o nome da escola nem a suposta metodologia por ela usada que farão a diferença, mas sim as qualidades pessoais do instrutor.

Veja aqui o que é um bom instrutor

É importante também adquirir noções de fonologia para conscientizar-se da existência de diferenças, e identificá-las individualmente. A partir daí, o aluno deve exercitar os novos sons. Veja: Diferenças de pronúncia entre inglês e português

Para adquirir-se não apenas a correta pronúncia de fonemas, mas também a acentuação tônica das palavras e a entonação da frase, desde o início do aprendizado, é necessário ao aluno desenvolver a arte da imitação e sempre consultar uma fonte autorizada: um native speaker ou uma pessoa que fale com boa pronúncia, um dicionário com símbolos fonéticos, os speaking dictionaries (dicionários eletrônicos de bolso que reproduzem som) ou simplesmente um dicionário online (recomendo o Merriam-Webster).

FAÇA AQUI UM TESTE PARA AVALIAR O QUE VOCÊ SABE A RESPEITO DE PRONÚNCIA DO INGLÊS

SOTAQUE ESTRANGEIRO – É UM PROBLEMA?

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