UMA DEFICIÊNCIA DO NOSSO SISTEMA EDUCACIONAL
Embora proficiência em inglês seja hoje uma necessidade básica na formação do indivíduo, o sistema de ensino fundamental e médio brasileiro, tanto público quanto particular, mostra uma flagrante incapacidade de proporcioná-la.
ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO
Para ilustrar, vejam o depoimento dado pelo paulista Thiago Orgélio ao Estadão, em fevereiro de 2014 <http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,nivel-de-ingles-no-brasil-e-baixo-e-pais-fica-em-38-em-ranking,1134453>:
Até os 24 anos, os conhecimentos de inglês do analista contábil Thiago Orgélio, hoje com 28, não iam muito além do verbo "to be". Ex-aluno de uma escola pública da zona sul de São Paulo, ele conta que pouco aprendeu. "Passei os três anos do ensino médio vendo os mesmos conteúdos", lembra. Após concluir a graduação em Ciências Contábeis, ele decidiu que era hora de correr atrás do tempo perdido e se matriculou em um curso de inglês. Hoje faz aulas particulares duas vezes por semana na empresa em que trabalha.
Este poderia ser o depoimento da grande maioria dos brasileiros, em qualquer época.
CURSOS LIVRES DE INGLÊS
Mas não é só no ensino regular que encontramos ineficiência. Muitos cursos livres, especializados no ensino de inglês, embora eficientes nas estratégias de marketing e bem sucedidos nos negócios, acabam deixando muitos de seus clientes sem o resultado esperado. Vejam o depoimento que recebemos de uma frequentadora de nosso site em 2000:
Já fiz vários cursos, inclusive me formei com mais ou menos uns 5 anos de curso de inglês. No momento estou fazendo um curso preparatório para o exame de Cambridge (FCE - First Certificate in English) e na verdade não consigo de jeito nenhum falar com as pessoas em inglês.
Renata Lemos, 15/5/2000.
GRADUAÇÂO
Até mesmo nos cursos superiores de Letras, credenciados junto ao MEC para formar professores de inglês, vamos encontrar deficiências. Vejam o depoimento da Prof. Marília Conte Daros, formada em Letras por uma universidade brasileira, e que hoje vive nos EUA:
In my case, I had a hard time to become fluent in the second language because of the interference of two factors. The first factor was learning strategy, which was translating (L2 to L1 to L2 again) due to the fact that my foreign language classes focused on the Grammar-Translation method. It was slow and caused me a lot of headaches and frustration. Then later I spent a whole year translating while I was an exchange student. The second interference was low self-esteem, the belief of not being able to produce L2, due to the oppressed education I experienced in undergraduate school in Brazil. Professors believed that low grades reflect a hard school (meaning "good"), so nothing was good enough. Undergraduate students got to graduation deaf on L2.
<http://pegasus.cc.ucf.edu/~gurney/LangConn.htm>No meu caso, tive muita dificuldade para me tornar fluente na segunda língua (inglês) devido à interferência de dois fatores. O primeiro foi a estratégia de aprendizado, baseada em tradução (da L2 para a L1 e para a L2, novamente) com aulas inspiradas pelo método de tradução e gramática. Era lento e me dava dores de cabeça e frustração. Depois, passei um ano inteiro traduzindo durante um programa de intercâmbio. A segunda interferência foi baixa autoestima, acreditando não conseguir produzir a L2 devido à educação opressiva praticada em meu curso universitário no Brasil. Os professores acreditavam que notas baixas refletiam um curso puxado (significando bom), então nada era suficientemente bom. Os alunos se formavam surdos à língua estrangeira falada. (minha tradução)
Em 2017 a multinacional Education First atualizou seu estudo sobre os índices de proficiência em inglês no mundo. O Brasil, que em 2014 havia ficado em 38º lugar, baixou para 41º lugar, atrás da Argentina e até do Vietnam. Vejam a tabela ao lado. Embora a metodologia estatística da EF tenha sido duramente criticada pela falta de confiabilidade, o estudo serve como parâmetro aproximado.
A ineficiência do ensino de inglês no Brasil está claramente demonstrada também na avalanche de cursos existentes. Aprendemos Português, Matemática, História e Geografia na escola e raramente precisamos frequentar cursos posteriormente para suprir deficiências nessas áreas. Entretanto, para suprirmos a necessidade de proficiência em inglês, temos que investir milhares de reais e anos de tempo sem a garantia de realmente alcançarmos o resultado desejado. Como qualquer um pode observar, a maioria dos professores, não só de escolas de ensino médio, mas também de muitos dos cursos de línguas e até de cursos superiores, não têm a necessária habilidade com a língua que devem ensinar. Isto entretanto não é a causa, mas apenas um sintoma do problema. Perguntar a um professor como é que ele, tendo feito tudo que lhe prescreveram, não alcançou fluência, seria como perguntar para o paciente porque o tratamento contra sua doença não deu certo. Para entendermos a ineficácia do ensino de inglês no Brasil, temos que aprofundar nossa pesquisa. Devemos questionar o médico ou nós próprios descobrirmos o porque de a receita não ter dado certo. Podemos começar entrevistando os chefes dos departamentos de Letras de universidades. Questionar o porque de muitos desses cursos não exigirem, nem na entrada nem na saída, o pré-requisito fundamental - a fluência na língua. Devemos perguntar-lhes se não seria o mesmo que oferecer curso profissionalizante para instrutores de auto-escolas que não sabem dirigir ao ingressarem no curso, nem ao se formarem. Poderíamos perguntar-lhes também se um professor de língua estrangeira que a fala com desvios e limitações não seria equivalente a um professor de música que canta e toca desafinado. Seria ainda necessário questionar as grades curriculares desses cursos que priorizam o estudo formal do idioma, que utilizam apenas sua forma escrita como matéria de análise, que insistem nas sutilezas gramaticais, tudo minuciosamente discutido em português bem claro, programas que, na sua maioria, negligenciam a língua na sua forma oral e no seu aspecto criativo e funcional, omitindo estudos nas áreas de fonologia e psicologia cognitiva. Finalmente, questionemos a autoridade maior, a Comissão de Especialistas em Ensino de Letras do Ministério da Educação, cuja tarefa é autorizar o funcionamento dos cursos de Letras que estarão credenciados a conferir títulos de professores de língua estrangeira. Deveríamos perguntar-lhes se, antes de catalogarem o número de especialistas e mestres que o curso tem, não deveriam se certificar de que os mesmos realmente falam a língua estrangeira sem desvios e de que o projeto pedagógico do curso garante que seus egressos também alcancem fluência e acuidade condizentes com a função que irão exercer. Perguntar-lhes, por exemplo, se antes de avaliarem laboratórios e recursos audiovisuais, não deveriam avaliar a existência de programas de intercâmbio que facilitem aos alunos irem ao exterior ou terem contato com falantes nativos em ambientes multiculturais por aqui mesmo. Não podemos deixar de procurar também cursos superiores bem estruturados, em que a maioria dos egressos possui a necessária proficiência. Se encontrarmos um, identifiquemos as diferenças e o porquê do êxito. |
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Se expandirmos nossa pesquisa a outros países, veremos que não é só o Brasil que enfrenta esta dificuldade, como mostra o estudo da tabela acima. Isso nos leva à conclusão de que a raiz do problema está na falsa e generalizada idéia de que podemos desenvolver proficiência, ou seja, habilidade prática e funcional, através do estudo formal, o que seria como aprendermos a dirigir pelo manual, tendo raramente nos sentado à direção de um carro. Esta idéia está profundamente enraizada e é plantada em nossas mentes já na escola secundária ("quem não estuda não aprende"), cuja orientação sempre foi e continua sendo predominantemente direcionada ao estudo de gramática, à análise do texto escrito, que prescreve esforço intelectual para acumular informação, cumprir um currículo, injetar o conteúdo e chamar isso de aprender inglês.
Para finalizar, permitam-me aqui citar Carlos Alberto Faraco:
Em termos de língua, ainda vivemos culturalmente numa fase pré-científica e, portanto, dogmática e obscurantista.
Veja também nossas páginas:
Com pós-graduação mas sem fluência,
Agonia de um futuro professor,
O futuro do ensino de línguas no Brasil
Estudo formal x assimilação natural.
Referência Bibliográfica:
Faraco, Carlos Alberto. Guerras em torno da língua: questões de política linguística. - Folha de São Paulo, Caderno Mais, 25 março 2001.
Oliveira, Luiz Eduardo Meneses A Historiografia Brasileira da Literatura Inglesa: uma História do Ensino de Inglês no Brasil (1809-1951) – UNICAMP, Instituto de Estudos da Linguagem 1999.
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Schütz, Ricardo E. "Deficiências no ensino de inglês." English Made in Brazil <https://www.sk.com.br/sk-deficiencias-do-sistema-educacional.html>. Online (data do acesso). Observe que ao citar textos encontrados na internet, é necessário colocar a data, devido às frequentes alterações que os mesmos podem sofrer.