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O que é talento para línguas?

Ricardo E. Schütz
Atualizado em 20 de junho de 2004

É notório e surpreendente o contraste entre a facilidade com que algumas pessoas aprendem línguas estrangeiras e a quase impossibilidade com que outros se defrontam. Maior ou menor ritmo de assimilação da língua estrangeira (maior ou menor talento) pode depender de inúmeros fatores. Este rápido estudo tem por objetivo investigar e apontar os principais fatores que influenciam o aprendizado de línguas, determinando as diferenças de ritmo e de teto.

Idade: Um dos fatores mais notórios é a idade. Por razões de ordem biológica e psicológica, quanto mais cedo, melhor. O ritmo de assimilação das crianças não só é mais rápido, como seu teto, mais alto. Veja mais sobre este assunto em: Por que crianças aprendem melhor?

Formação linguística: Outro fator de peso é a formação linguística da pessoa, isto é, o grau de semelhança que a L1 (língua materna) do aluno tem com a L2 (língua-alvo). A semelhança linguística normalmente vem acompanhada de semelhança cultural. É evidente por exemplo a facilidade com que alemães, holandeses, dinamarqueses e suecos aprendem inglês. Mesmo brasileiros demonstram para a língua inglesa uma facilidade muito superior a japoneses e chineses, por exemplo.

Versatilidade linguística: As vezes a língua-alvo é a terceira língua do aluno. Este é outro fator de decisiva importância. Os monolíngues demonstram uma forte dependência das formas da língua materna para estruturarem seu pensamento, ao passo que os bilíngues demonstram maior versatilidade mental. Aquela mente que já uma vez passou pela experiência de buscar e descobrir novas formas de expressar o pensamento que não as da língua materna, com mais facilidade consegue repetir esta façanha. Esta maior versatilidade linguística é normalmente acompanhada de uma maior versatilidade cultural, facilitando a identificação com a cultura alvo.

Acuidade auditiva: Este é um fator biológico de importância fundamental. Sendo língua um fenômeno essencialmente oral, e considerando-se que o aparelho articulatório de sons do ser humano (cordas vocais, cavidade bucal, língua, etc.) mostra-se extremamente limitado quando comparado ao universo linguístico criado por sua mente, deduz-se facilmente a importância que diferenças fonéticas ínfimas vêm a ter. Não só a percepção mas também a articulação de sons dependem diretamente do aparelho auditivo, uma vez que o ouvido funciona como monitor da fala.

É sabido também que a capacidade auditiva pode variar consideravelmente de uma pessoa para outra. Quem não dispõe de boa audição, portanto, leva desvantagem da mesma forma que uma pessoa de baixa estatura estaria em desvantagem para se tornar um bom jogador de basquete. Uma avaliação fonoaudiológica pode predeterminar dificuldades ou facilidades para o aprendizado de línguas. Veja Pronúncia sobre a importância da forma oral da língua.

Características de personalidade: Fatores de ordem psicológico-afetiva podem causar um impacto direto na capacidade de aprendizado, influindo tanto positivamente como negativamente. Pessoas introvertidas e reservadas, por exemplo, normalmente mostram um ritmo de assimilação mais lento, principalmente na produção oral, pelo simples fato de se exporem menos e evitarem muitas das oportunidades de comunicação com que se defrontam quando em ambientes da língua estrangeira. Os principais fatores que atuam como filtros dificultadores da assimilação são:

Por outro lado, auto-estima e autoconfiança, desinibição, criatividade (habilidade de improvisação), tolerância consigo próprio, empatia, curiosidade e perseverança são características positivas.

Memória – a capacidade de reter e relembrar informações e experiências – é sem dúvida uma habilidade mental que influi no aprendizado de línguas. O grau de capacidade de memória de cada um pode depender de fatores biológicos e psicológicos, mas vai depender muito também de fatores externos. Pesquisas sobre a fixação e a retenção das lembranças permitem determinar que retemos bem aquelas experiências que nos concernem diretamente e nas quais tivemos participação direta. Ao contrário, esquecemo-nos com facilidade o que é neutro, mal estruturado, pouco significativo. Aquilo que alguns autores chamam de episodic memory é mais eficaz do que semantic memory.

Assim como a química é melhor aprendida em laboratório do que na sala de aula, assim também as formas (palavras, expressões) da língua estrangeira ficarão mais facilmente retidas na memória se aprendidas em situações reais de comunicação, em vez de aprendidas num ambiente descontextualizado de uma sala de aula.

Disponibilidade mental: O grau de disponibilidade mental da pessoa para com a língua estrangeira é inversamente proporcional ao número e ao peso das preocupações de ordem familiar, profissional e financeira com que a pessoa vive. Quanto menor a disponibilidade mental, tanto menor a capacidade de memória e o ritmo de assimilação.

Motivação: A motivação é uma força interior propulsora, de importância decisiva. Assim como aprendizado em geral, o ato de se aprender línguas é ativo e não passivo. Não se trata de se submeter a um tratamento, mas sim de construir uma habilidade. Não é o professor que ensina nem o método que funciona; é o aluno que aprende. Por isso, a motivação do aprendiz no aprendizado de línguas é um elemento chave.

Motivação está ligada ao desejo de se satisfazer necessidades. O ser humano é um animal social por natureza e, como tal, tem uma necessidade absoluta de se relacionar com os outros de seu ambiente. Essa tendência integrativa da pessoa é o principal fator interno ativador da motivação para muitos de seus atos. Por exemplo, se estivermos em um ambiente caracterizado pela presença de uma língua estrangeira, naturalmente teremos uma forte e imediata motivação para assimilarmos essa ferramenta que nos permite interagir no ambiente, dele participar e nele atuar. Aprender uma língua fora do ambiente de sua cultura seria como aprender a nadar fora d'água.

Desmotivação, por outro lado, é a ausência de desafio e de motivo espontâneo, frequentemente agravada pela frustração de não se ter alcançado proficiência através do estudo formal ou pelo insucesso em sistemas de avaliação (exames, notas, etc.). Experiências anteriores de resultados negativos, podem desencorajar o aluno de uma nova tentativa. Também aquele que não se identifica com a cultura estrangeira, - ou que às vezes até a despreza, - normalmente por falta de informação a respeito da mesma, estará desmotivado a aprender sua língua. Este é um problema frequentemente observado em salas de aula que enfatizam language learning em vez de language acquisition.

Leia mais sobre motivação e desmotivação aqui

Independência: O pleno desenvolvimento da competência na língua estrangeira ocorre quando o aprendiz, além de ser movido por um interesse ou necessidade pessoal, assume o controle de seu próprio destino neste processo, adquire consciência de suas habilidades e de suas limitações, e desenvolve uma estratégia que consegue tirar vantagem de suas habilidades e compensar suas limitações. Portanto, independência em relação a professores e programas é, no plano psicológico, um elemento fundamental.

Tempo de dedicação e grau de envolvimento: Logicamente, quanto mais tempo for dedicado ao contato com a língua estrangeira, tanto maior será o grau de assimilação. Não só o tempo de contato, entretanto, mas também o grau de envolvimento afetivo e psicológico por ocasião do contato, terá influência decisiva. Por exemplo, se o contato for com a língua falada, se o aluno estiver conversando com algum estrangeiro, quanto maior o envolvimento afetivo com essa pessoa, ou quanto maior o grau de interesse ou de importância da conversa, tanto melhor a assimilação. Se o contato for com texto escrito, se o aluno estiver tentando ler um texto em inglês, quanto maior for o interesse do aluno pelo assunto, tanto maior sua assimilação.

Conclusão: Programas de ensino de línguas serão mais eficazes se oferecerem ambientes autênticos que estimulem a motivação e serão menos eficazes se predeterminarem o mesmo ritmo para todos. Devem levar em consideração diferenças individuais, permitindo que cada um construa seu desenvolvimento de acordo com seu talento, motivação e disponibilidade. Ou seja, devem saber explorar o talento dos mais rápidos, bem como respeitar o ritmo de assimilação daqueles que precisam de mais tempo.

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